HORA DA PLAQUINHAA população carioca está perplexa. Como o tráfico de drogas nas favelas foi enfraquecido pela repressão policial e pela competição com traficantes de classe média (os quais vendem ecstasy, muito mais cotado hoje em dia do que a
demodé cocaína), houve um aumento da violência no asfalto. Mais assaltos, mais assassinatos, mais veículos roubados, mais casas invadidas. Incrível. Quem poderia imaginar que, com cortes na sua principal fonte de renda, os traficantes iriam partir para os crimes tradicionais? Eles não deveriam ter virado médicos, ou engenheiros, ou até mesmo políticos? Ou então ter derretido como uma bruxa atingida por um balde d'água? Como é possível que a violência tenha aumentado? A população carioca não via nada tão supreendente assim desde o final de
Sexto Sentido.
Claro que só pessoas ingênuas, que nunca pensaram no assunto, podem se surpreender com esta, ahn, "reviravolta". Só pessoas que acham que os consumidores de drogas são responsáveis pela violência podem não entender o processo que leva um traficante sem dinheiro ao latrocínio. Aliás, como é que fica essa história, agora que a queda do consumo fez a violência aumentar? Será que já tem gente pensando em se drogar só para dar uma forcinha ao tráfico?
O cidadão médio tem uma dificuldade muito grande em encarar o tráfico de drogas como aquilo que ele realmente é: comércio. E, como todo comerciante sabe, violência faz mal para os negócios. Não é à toa que tráfico e comércio ilegal de drogas existem em todos os lugares do mundo, mas em nem todos os lugares a violência aflora. Ou seja, a princípio o tráfico de drogas é uma atividade criminosa muito mais "segura" e "limpinha" do que as outras. Não por acaso, traficantes mais espertos, como os que dominaram a Rocinha na última década, instituem zonas de proteção e são mais implacáveis com os bandidos comuns do que a própria polícia. O traficante que está realmente interessado em vender não quer pôr seu consumidor em risco. Isso é ululantemente óbvio.
O problema é quando o tráfico se associa à pobreza e à falta de emprego. Vira promessa de dinheiro fácil para a marginalidade. Como conseqüência, o mercado infla — e ainda por cima enche de gente sem tino para os negócios, geralmente bandos de moleques com menos de 20 anos, seduzidos mais pelo poder do que pelo lucro, com mais interesse em "zoar" do que em qualquer outra coisa. Não é à toa que o Rio não tem apenas uma, mas três facções criminosas lutando pelo controle das bocas-de-fumo. Então, ao contrário do que a maioria pensava, o "problema" do Rio sempre foi ter consumidores de menos para traficantes demais.
Talvez agora as pessoas compreendam que a simples repressão ao tráfico de drogas é inócua quando não associada a medidas que minimizem a violência de fato. Dentre as mais óbvias: educação, emprego, polícia mais bem preparada, mudanças no Código Penal para reduzir a sensação de impunidade, enfim, essas coisinhas que países como a Suécia têm e fazem há séculos. Mas aí é ingenuidade minha pensar isso vai acontecer. Em janeiro todo mundo já terá se esquecido dessa onda de violência. Até porque existe a teoria de que os bandidos estão só garantindo o décimo-terceiro.
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Ah, sim. Quase que eu me esqueço de
levantar a plaquinha. Espera, espera: deixa eu levantar
de novo.