março 22, 2009

 
BATERIA PUTO



Eu me lembro perfeitamente. Estava sentado na banqueta, com os braços apoiados na minha mesa de desenho, o discman com a tampa levantada. Abri o CD, tirei o disco e encaixei-o cuidadosamente no aparelho. Tampa fechada, play, os primeiros acordes de "Airbag". Eu tinha 17 anos, e era como se aquela música sempre tivesse existido. Nunca me esqueci da sensação.

Ok Computer é o que eu costumo chamar de clássico instantâneo. O tipo de disco que você só ouve uma vez e tem certeza absoluta que está diante de algo... maior. O que aconteceu depois é mais ou menos óbvio. Virei fã. Acho que isso teria acontecido mesmo se eu não tivesse escutado nenhuma outra música além de "Airbag". Só que, ainda por cima, na seqüência havia "Paranoid Android", "Karma Police", "Climbing Up The Walls", para ficar nas mais óbvias. Nos meses seguintes comprei Pablo Honey e The Bends, os quais ouvi sem parar por muito e muito tempo. Se houvesse Last.fm naquela época, provavelmente Radiohead seria meu top artist absoluto até hoje.

Na época do lançamento do Kid A eu já estava na faculdade, e me lembro de muita gente abandonando a banda, por não suportar a nova direção musical. Eu fui um dos que permaneceu. Gostava daquilo, do fato de não ser simplesmente um Ok Computer 2. Era totalmente diferente, e isso de alguma maneira parecia indicar que o Radiohead não era mesmo uma banda comum. O lançamento do Amnesiac, pouco tempo depois, só fez reforçar esta impressão.

Depois de dois álbuns lançados num intervalo de tempo tão curto, a espera por Hail To The Thief pareceu muito maior. Quando ele finalmente saiu, foi um acontecimento. Melhor do ano em várias listas de críticos. Músicas excepcionais, como "There There" e "2 + 2 = 5", e uma espécie de volta às guitarras, que tinham sido deixadas de lado com o Kid A. Embora o disco tenha envelhecido um pouco mal (ao menos para os padrões Radiohédicos), foi algo que marcou aquele ano de 2003.

E aí mais 4 anos de silêncio até o brilhante In Rainbows e seu esquema inovador de vendas, em que você pagava quanto quisesse pelo download do álbum. Confesso que dei algumas libras para baixar o disco logo no primeiro dia, e ainda ganhei a versão "física" quando saiu.

Como esses parágrafos deixam claro, Radiohead é uma banda que marcou minha vida. Não é à toa que o show deles estava no topo da minha lista de mais aguardados desde aquele dia em que ouvi pela primeira vez o riff de "Airbag", em 1997. Não preciso dizer como fiquei feliz quando soube que, depois de muitos alarmes falsos ao longo dos anos, os ingleses finalmente tocariam no Brasil. E, ainda por cima, no dia do meu aniversário. Comprei os ingressos pela internet no primeiro dia.

Caminhar pela Marquês de Sapucaí em direção ao palco teve algo de surreal. Eu me perguntava se estava mesmo acontecendo. Os Los Hermanos já estavam tocando, e foi bonito ver os fãs que chegavam atrasados correndo para não perder uma nota sequer. Não sou exatamente fã da banda, mas aprecio bastante o segundo CD, Bloco do Eu Sozinho, no qual se concentrou boa parte do show. Apreciei a experiência de vê-los no palco pela primeira vez. Porque, mesmo sendo carioca e barbudo, nunca tinha assistido a um show deles, ao contrário do que muita gente pensa quando olha pra minha cara.

(Digressiono: acho engraçado esse desdém pelos Los Hermanos. Boa parte dos fãs de Radiohead detestam a banda. Não compreendo muito bem. Não é como se eles fossem o Chiclete com Banana, ou algo do gênero. São bons músicos, fazendo boa música, com boas letras. É o tipo de coisa com a qual eu me relaciono bem. Tento entender por que isso não acontece com a maioria. Deve ser uma vontade irresistível de ser chato, provavelmente provocada por uma adolescência mal-resolvida. Enfim, prossigo).

O quase total desconhecimento do público sobre o que era Kraftwerk me deixou um tanto constrangido. Era de se esperar que fãs de Radiohead tivessem alguma cultura musical. Ingenuidade minha, claro. Vivo me esquecendo que a ignorância é a única coisa realmente democrática que existe. Mas uma coisa boa da ignorância é que ela pode ser sanada. Talvez a curta apresentação dos alemães tenha servido a este propósito para alguns. Para quem já conhecia a banda foi simplesmente uma grande experiência. Só é pena que músicas gigantescas como "Autobahn" tiveram que ser editadas para caber no tempo.

A montagem do palco do Radiohead foi, digamos, intrigante. Primeiro, uma espécie de persiana de tubos, passando por cima do palco desde o fundo até a frente, em várias linhas. Depois, três sujeitos que subiram por uma escada até o alto do palco, no suporte da primeira linha da "persiana", e lá sentaram e ficaram. Até agora não sei exatamente qual era a função deles. Isso me distraía do que estava por vir, e por instantes eu me esqueci da importância do evento, em como era quase sagrado.

Mas aos primeiros acordes de "15 step", música de abertura do In Rainbows tudo veio à tona. Foi catártico, embora eu nunca demonstre. Não gosto de berrar em shows. Minha forma de apreciação é silenciosa. Vidrada. Gosto de olhar pro palco fixamente e simplesmente ouvir. Até me mexo um pouco e bato palmas. Mas nunca fico rouco de tanto gritar. Isso não se aplicava, no entanto, ao sem-mãe dos infernos que estava atrás de mim.

As primeiras músicas do show — para o meu azar, "Airbag" e "Karma Police" estavam entre elas — foram dubladas, em inglês macarrônico e ultra desafinado, pelo maníaco que estava ao pé do meu ouvido. Aquilo me tirou a concentração. Já fui a muitos shows, sei que as pessoas cantam e acho legal, faz parte da experiência. Mas nunca vi uma coisa daquelas. Era alto, muito alto. E narcisista a ponto de repetir "one, two, three, four" junto com o Thom Yorke, e de dublar as guitarras. Quem diabos dubla guitarras?

Nunca estive tão perto de socar alguém. Eu sei que devia ter mudado de lugar, mas meu orgulho me impediu de ir mais pra trás. Era meu aniversário e eu não estava disposto a abrir concessões. Por sorte, ou a voz do imbecil acabou, ou ele não sabia mais as letras, e comecei a aproveitar o show. Porém, lá pro primeiro bis, um careca gigante começou a se balançar na minha frente, num lugar em que o espaço era exíguo e disputado. Minha reação imediata foi começar a cotovelá-lo de todas as formas possíveis, até que a Reca me jogou para o outro lado, para impedir que o desgraçado que era duas vezes o meu tamanho tivesse tempo de se emputecer.

Mas quando fizemos essa alteração, foi no ouvido da Reca que o imbecil que gritava soltou a voz (aparentemente recuperada). Como ela é mais pragmática do que eu, me puxou pelo braço e fomos um pouco mais pra trás. E sou muito grato por isso. A melhor parte do show, pelo menos para mim, acabou sendo o bis, a partir de "Paranoid Android". Finalmente pude entrar em êxtase.



Ao final do show, depois de "Creep", só me restava a culpa por não ter tomado uma atitude logo que começou "Airbag". Apesar de tudo, foi uma experiência mágica, mas não tanto quanto deveria. Por minha culpa. Espero que pelo menos as pragas que eu roguei peguem mais violentamente pelo fato de eu ser aniversariante.

Não foi o melhor show da minha vida. Foi bom, mas não chegou ao Top 3. Talvez esteja aí mais uma desculpa para assisti-los de novo. Até porque faltaram "Optimistic", "Pyramid Song", "Fake Plastic Trees", "High And Dry". Se houver uma próxima vez, tentarei ser menos burro. Ou pelo menos ter a satisfação de arrebentar um idiota. Essa lição eu aprendi. E, de qualquer maneira, um único show é muito pouco para o Radiohead.

besuntado por Vitor Dornelles 19:05

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