A SOMA DE TODOS OS IDIOTAS

Nunca pensei que fosse dizer isso, mas estou com saudades do Pan. Não me entendam mal: eu não me bandeei para o lado de César Maia e seus asseclas. Continuo achando que o Pan foi um equívoco, que não deixou nenhum dos legados que um evento desse porte deveria deixar (estádios construídos às pressas e que em, no máximo, 5 anos vão estar caindo aos pedaços não contam como legado, certo?). Não houve melhoria alguma na infraestrutura da cidade. Transporte, saúde, segurança, tudo continua igual ou pior do que antes do início dos jogos. O simples fato da cidade não ter parado, como prevíamos nós, os alarmistas, não absolve o Pan de não ter servido para nada. Ok, talvez eu devesse reformular a frase de abertura, então: estou com saudades das férias escolares.

Embora a prefeitura vá dizer que tudo deu certo graças ao seu brilhante — e nunca testado — esquema de trânsito, o principal motivo pelo qual os carros na cidade continuaram circulando foram as férias escolares. Merecem crédito também o medo de boa parte da população de sair de casa e a baixíssima média de público — quem assistiu pela TV certamente reparou nas cadeiras vazias —, o que me leva a crer que muitos preferiram continuar em seus estados e/ou países a se aventurar pelo balneário decadente. Mas, sim, a solução para o trânsito do Rio exige que todas as crianças e adolescentes parem de estudar. Ou talvez seja hora de levar realmente a sério esse negócio de ensino à distância.

O Pan acabou num domingo. Na segunda-feira, já era possível observar o efeito da volta às aulas no tradicional engarrafamento matutino da Radial Oeste. Dois dias depois, até o igualmente tradicional congestionamento em São Conrado, sentido Barra, tinha voltado com força total. Os 40 minutos gastos indo de Botafogo para a Barra durante o Pan já haviam se transformado em 1 hora. A rotina estava de volta, mas não era tão ruim.

Isso até resolverem fazer uma obra de recapeamento no Rebouças, o principal, túnel da cidade. Quem não conhece o Rio talvez não saiba, mas somos dependentes de túneis. Feche qualquer túnel da cidade e assista ao motorista carioca se debater em crise de abstinência. Sem eles, a locomoção aqui seria quase impossível, e levaria o triplo do tempo para percursos triviais, como ir da Zona Norte para a Zona Sul. Mas eu nunca poderia imaginar que uma simples reposição de asfalto pudesse tomar proporções épicas.

Na terça-feira, por volta das 10h, eu saía da Barra em direção a Botafogo. Num dia de trânsito ruim, levo cerca de 1 hora para completar o trajeto. Às vezes, se a situação estiver realmente péssima, 1 hora e 15. Pois naquele dia, antes do final da Avenida das Américas, entrei num congestionamento que se estendeu pelo menos até a Lagoa, perto da entrada do Rebouças, e do qual só me livrei quando peguei a saída para Botafogo. Levei 2 horas para percorrer 20 quilômetros.

Aquilo não fazia o menor sentido. Só um acidente poderia ter coagulado o trânsito daquela maneira. Tentei descobrir na internet o que havia acontecido. A CET-Rio culpava o "excesso de carros da volta às aulas". Qualquer imbecil percebia que a Companhia estava apenas tentando tirar o corpo fora, pois as aulas haviam recomeçado uma semana antes e, naquele horário, todos os estudantes estavam, muito provalmente, no recreio. Logo depois, descobri outro culpado: a tal obra no Rebouças. Aparentemente, os desníveis no asfalto provocados pelo recapeamento (que está sendo feito de madrugada), obrigavam os mostoristas a reduzir a velocidade dentro do túnel. Custei a acreditar nisso também, pois no dia anterior passara pelo túnel e observara os tais desníveis, que eram mínimos. Imaginei, então, que talvez os desníveis tivessem virado quebra-molas dum dia pro outro, impressão que foi reforçada à noite, quando enfrentei novo engarrafamento saindo da Barra, desta vez às 21h.

Eu tenho uma teoria de que todos os nós no trânsito do Rio são causados por algum idiota fazendo alguma idiotice. Uma vez, um idiota perdeu o controle do carro numa reta e caiu no canal da Francisco Bicalho. Alguns idiotas da Defesa Civil acharam que era uma boa idéia içar o carro usando um guindaste em plena hora do rush, apesar do motorista não estar dentro do veículo (mais tarde descobriu-se que o sujeito era um seqüestrador foragido, e que havia dado no pé logo depois de sobreviver ao acidente). Resultado: levei mais de meia hora para percorrer as duas quadras da minha rua. Noutra ocasião, dois ônibus idiotas em alta velocidade bateram no túnel Dois Irmãos, poucos antes da hora do rush. Uma pista foi interdidata e a Zona Sul parou. Resultado: 3 horas para chegar na Barra. Mais recentemente, semana passada para ser exato, policiais idiotas fizeram uma incursão na Rocinha atrás de uns traficantes idiotas e acharam uma boa idéia bloquear uma das pistas da Lagoa-Barra. Resultado: Quase 1 hora para fazer um percurso de 30 minutos, e ainda correndo o risco de ser atingido por uma bala perdida.

Eu não devia ter me surpreendido, portanto, quando, hoje à noite, descobri a verdadeira causa do engarrafamento no Rebouças. Eram quase 22h, horário em que o fluxo de veículos em direção à Zona Norte é mínimo. Mesmo assim, na Borges de Medeiros ainda era hora do rush. Resolvi enfrentar aquela fila irritantemente lenta de carros só para ver quão grandes poderiam ser os desníveis na pista do Rebouças para justificar aquilo. Quando finalmente cheguei lá, percebi que os desníveis eram da mesma altura dos que vira na segunda-feira. Ou seja: não havia nada. O engarrafamento era causado pelos próprios motoristas, que reduziam a velocidade por pura inépcia. Vários idiotas unidos em prol de uma única idiotice. É o resumo do Rio de Janeiro.