NADA DO QUE FOI SERÁQuando eu estava no Jardim de Infância achava os alunos do C.A. tão grandes que, na minha cabeça, eles eram alunos da 5ª série. No entanto, eu sabia que a escolinha em que eu estudava não tinha 1ª série, nem as séries subseqüentes. Por isso, imaginava que, ao concluir o C.A., os alunos íam para outra escola, estudavam da 1ª à 4ª série e depois retornavam unicamente para fazer a 5ª. O que acontecia depois era um mistério. Ao mesmo tempo, uma coisa me intrigava (embora eu não soubesse o que era estar intrigado com alguma coisa): onde diabos eles escondiam os alunos do C.A.?
****
Ainda no Jardim de Infância, havia dois alunos de turmas mais adiantadas (algo entre o Jardim II e a 5ª série imaginária) que me apavoravam. Um eu apelidei de homem-macaco, por causa das cambalhotas que ele fazia no pátio, geralmente com o auxílio de umas barras paralelas que, pensando bem hoje em dia, talvez só existissem na minha imaginação. Ele usava óculos e, por incrível que pareça, tinha feições simiescas. Meu medo era que ele tentasse fazer alguma acrobacia perto de mim e acabasse me machucando. A outra era uma garota que comia papel. Ela geralmente participava das mesmas rodas de galinha-choca que eu. Lembro-me de uma vez, no meio de uma degustação de celulose, em que ela se virou para mim e, sem motivo aparente, disse que só iria se casar quanto tivesse "isso, isso, isso, isso e isso de anos", e mostrou cinco vezes as mãos espalmadas, indicando "dez". Aquilo me assustou porque achei que fosse um pedido de casamento. E eu definitivamente não queria me casar com a garota que comia papel, mesmo que demorasse 50 anos.
****
Quando a minha irmã mais nova tentava me aterrorizar
mostrando a capa de um disco da Rita Lee, a única defesa possível era me agachar, botar a camisa por cima das pernas e, desta maneira, me fingir de anão. Ela sempre saía correndo.
****
Durante uma aula do C.A. recebemos a visita de um ex-aluno. Ele estava cursando a primeira série e usava um casaco de moletom e um relógio digital. Achei aquilo muito
cool (apesar de não fazer idéia de que a palavra cool existia — meus conhecimentos de inglês limitavam-se a
boy,
girl e
ant, como me ensinou a própria escolinha em suas aulas de conhecimentos básicos de inglês). Tão
cool que decidi: quando deixasse a escola iria retornar para visitá-la usando um relógio digital (não via a necessidade do moletom). Foi o que eu fiz, no fim das contas, com a desvantagem de que não me senti nem um pouco
cool. Na verdade aquele negócio de relógio digital incomodava pra caramba o meu pulso.
****
Com 3 ou 4 anos de idade, eu achava que um dos meus tios era o Lulu Santos. Tudo porque, durante um karaokê dos adultos a que eu assistira, ele interpretara "Como uma onda". O problema é que eu não sabia o que era um karaokê, e assumi que a música era do meu tio — a partir daquele momento, também um cantor cujas músicas tocavam no rádio. Levou alguns anos até eu compreender que ele era só ortopedista e não tinha um nome artístico.