novembro 03, 2006

 
COMO PERDER UMA CANETA






:: Prólogo ::

Quando saiu a escalação do TIM Festival deste ano, não pude esconder uma certa decepção. A única banda que eu realmente fazia questão de ver era TV On The Radio. Por isso, fui adiando a compra de ingressos até ser surpreendido pelo primeiro "esgotado" no jornal. Como sou um sujeito de sorte, era justamente a noite do TV On The Radio. Estranhei, porque além da música deles não ter muito apelo pop, são pouco conhecidos por aqui. Imediatamente culpei o Bonde do Rolê.

Restava pagar uma fortuna para ver o Daft Punk tocando sem banda de abertura, ou então apostar nos velhinhos do Beastie Boys. Enquanto eu ponderava, os ingressos para ambas as apresentações esgotavam. Como não fazia questão nem de Yeah Yeah Yeahs nem de Patti Smith *me abaixo para escapar da saraivada de pedras*, nem pretendia comprar ingresso com cambista, considerava o TIM Festival deste ano morto e enterrado.

Mas eu realmente queria ver TV On The Radio.

Passado um tempo, foi crescendo a idéia de assistir à edição paulista do evento. Lá teríamos Daft Punk não com uma, mas quatro bandas de abertura: o desejado TV On The Radio e, de lambuja, Yeah Yeah Yeahs e Mombojó — o que resolveria também um conflito, uma vez que a Reca queria ver estas duas últimas muito mais do que TV On The Radio. Já o Thievery Corporation seria uma boa hora para ir ao banheiro. No fim das contas, resolvemos nos juntar com um casal de amigos — Leïlah e Daniel — e, dividindo a gasolina, fomos para São Paulo.

Antes, porém, uma observação: o hábito da Leïlah de comprar ingresso em cima da hora acabou nos livrando de um perrengue. Quando ela foi adquirir seu par de entradas, descobriu que os shows tinham sido transferidos do Anhembi para o Tom Brasil. Se fôssemos sozinhos, eu e Reca provavelmente só descobriríamos a mudança quando déssemos com a cara no portão do primeiro. A divulgação da mudança foi muito mal feita. Quem não fosse ao site do festival um pouco antes do evento jamais ficaria sabendo. Pelo menos aqui no Rio, não vi nada — anúncio de jornal, outdoor, galhardete — que fizesse menção a esta mudança relevante de endereço. Tanto isto é verdade que, já em São Paulo, faltando um dia para os shows, encontramos uma amiga que ia ao TIM e não fazia a menor idéia da alteração.

Inicialmente não vi com bons olhos a mudança. Primeiro porque no Anhembi eu já sabia chegar, no Tom Brasil eu teria ainda que descobrir como. Depois porque já conhecia a má-fama da casa de espetáculos — na qual estivera apenas uma vez, na longínqua festa de fim de ano da Folha de S.Paulo em 2003 —, que coleciona reclamações em vários "guias da noite" da internet. No entanto, achei que a troca para um lugar fechado — que poderia fazer bem ao som e se aproximar mais da experiência carioca de TIM Festival — talvez fizesse a balança pender para o lado positivo.

Graças a este site, descobri que o Tom Brasil era bem longe de onde estávamos, praticamente na ponta oposta da cidade. Pretendia chegar antes da abertura dos portões, às 17h, mas uma série de pequenas coisas, misturadas a um almoço longo, nos levou a chegar lá faltando cerca de 10 minutos para as 18h. Já havia uma fila colossal, mas por sorte a Leïlah encontrou uns amigos bem posicionados e nos poupou uns bons minutos de espera — o que na verdade não adiantou muito, como veremos adiante.

:: Adeus, caneta ::

Logo após entregar o ingresso, a fila foi dividida em dois lados, masculino e feminino. O lado dos homens andava muito mais rápido, porque a maioria não tinha bolsa para ser revistada. Eu e minha mochila éramos uma exceção. Depois de olhar bem atentamente o conteúdo da bolsa, o segurança passou para a tracional revista do corpo. Decidiu implicar com a caneta que eu levava no bolso por mero vício de jornalista-não-praticante.

— É proibido entrar com caneta.
— Mas...
— O senhor veio de carro? De repente, pode voltar e botar lá.

Isso era uma sugestão muito idiota, pois implicava em eu ter que voltar para o final da fila.

— Não tem outra solução?
— Você pode botar a caneta naquela cesta e tentar recuperar depois do show. Mas não nos responsabilizamos pelos objetos.

Olhei pro lado e havia duas cestas quase lotadas de trecos. Monga e docilmente, entreguei minha caneta, sem nem ao menos perguntar o porquê da proibição sem sentido e, mais importante de tudo, onde diabos isso estava escrito. "Pego minha caneta depois do show", pensei. "Ou, se ela não estiver lá, qualquer caneta". A noite começava bem.

No hall de entrada, havia outra fila. Apesar de já passar das 18h, os portões de acesso à pista ainda estavam fechados. Ao fundo, podia-se escutar o motivo: uma passagem de som. Deve ter demorado cerca de uma hora até que conseguíssemos entrar e nos acomodar quase no centro do palco, um pouco para a esquerda, mais ou menos na sexta fileira.

:: Altos e baixos ::

O Mombojó não demorou a entrar no palco. Os pernambucanos fizeram um show bem legal. Muita gente cantando as músicas, banda animada. Foi o Mundo Livre S.A. deste ano, com a vantagem de não ter feito nenhum discurso político no meio. Até o Daniel, um dos maiores fãs de shoegaze que eu conheço e que nunca imaginei gostando de Mombojó, se impressionou com o som da banda.

Em seguida, o momento mais aguardado por mim: TV On The Radio. Confesso que não entendi por que eles vieram antes do Thievery Corporation na escalação, uma vez que têm muito mais a ver com o som do Yeah Yeah Yeahs — tanto que os integrantes das bandas são amigos — do que os DJs de lounge-music. Isso acabou prejudicando um pouco o show, que foi mais curto do que eu gostaria. Algumas músicas a mais teriam feito bem ao setlist.

Abriram com "Young Liars" (do EP de estréia, que eu nunca imaginei ouvir ao vivo) e, para minha alegria, tocaram os quase-hits "Dreams", "Staring At The Sun" e "Wolf Like Me". Ao mesmo tempo, porém, privilegiaram músicas mais arrastadas como "Province" e "I Was Lover" em detrimento de outras que, imagino, funcionariam melhor no palco, como "King Eternal" e "Blues From Down Here". Tunde Adepimpe mexia enlouquecidamente o braço esquerdo (como no clipe de "Staring At The Sun") enquanto pulava ensandecido pelo palco. Num dos únicos momentos em que parou, foi para botar os óculos e ler o cartaz de um grupo de fãs perto da grade, que pedia as baquetas do baterista — no que foram atendidos, por sinal.

Apesar de ter gostado bastante do show, faltou alguma coisa. Talvez um setlist diferente. Ou se tivessem aumentado o volume do microfone de Adepimpe, uma vez que a voz é parte fundamental das músicas do TVOTR. O som, como um todo, aliás, podia estar mais volumoso. Li que, aqui no Rio, a banda teve que tocar com instrumentos emprestados pelo Thievery Corporation, pois os seus tinham sido extraviados. Como o show em São Paulo foi apenas um dia depois, pode ser que eles continuassem sem o equipamento adequado. Não sei. Tenho que assistir a outro show para tirar a prova dos nove.



TV On The Radio tocando "Wolf Like Me" ao vivo no David Letterman.

Na seqüência, atraso na montagem de palco do Thievery Corporation, o que irritou boa parte do público. Alguns já tinham começado a gritar "Yeah Yeah Yeahs!" quando os músicos finalmente entraram. O que mais chamou a atenção foi o rodízio de vocalistas, quase na proporção de um por música. Depois da francesa, da brasileira mala cuja empolgação excessiva soava forçada e dos gêmeos rastafári, pensei: o que virá agora? Um japonês? Um albino? Um japonês albino? Veio um sósia do Milton Cunha com lencinho no pescoço, e aquilo fez muito sentido na hora. O show não ofendeu meus ouvidos, mas também não disse a que veio. Se tivessem botado um CD de uma outra banda qualquer o tempo teria sido melhor aproveitado. Sem dúvida, o ponto baixo do festival.

Falando em ponto baixo... Eu e Reca ficamos exatamente no mesmo lugar do início do show do Mombojó até o final da apresentação do Yeah Yeah Yeahs, e era interessante notar a sazonalidade do público. A cada mudança de banda, novas pessoas apareciam do nosso lado. Por exemplo, assim que acabou a sem-gracice do Thievery Corporation, fomos imediatamente cercados por bichas baixinhas. Não sei qual é o apelo que Karen O. tem com esta parcela da população, mas era impressionante a quantidade de gays semi-anões. Um deles, aliás, estava praticamente desabando do meu lado. Primeiro se apoiava nos amigos, quase pisando no meu pé. Depois, resolveu sentar e se apoiou na minha perna, como se eu fosse um poste. A sorte dele é que sou uma pessoa educada e não havia muito para onde ir, então deixei pra lá. Mas bem que ele podia seguir o conselho do amigo e comer mais. Nunca vi um sujeito tão fraquinho.

Assim que o show do Yeah Yeah Yeahs começou, todas as bichas em volta decidiram compensar a baixa estatura pulando como se não houvesse amanhã. Foi a hora em que mais usei meu cotovelo, especialmente para afastar o gordinho com câmera digital que não tinha muito controle sobre a própria impulsão. Bem, mas o show. Tenho que admitir que foi muito bom. Não tinha nenhuma grande expectativa, mas Karen O. definitivamente nasceu para o palco. Dominou completamente a platéia. Sou daqueles que não gosta do primeiro CD deles, então não conhecia quase metade das músicas. Mas o vigor da apresentação compensou minha semi-ignorância do repertório. Também ajudou terem tocado "Gold Lion", uma das melhores músicas do ano, fácil. Se eu não tivesse a relação afetiva com TV On The Radio, que acompanho desde o primeiro EP, diria que o show do Yeah Yeahs foi o segundo melhor da noite. E na verdade foi mesmo.



O ótimo clipe de "Gold Lion"

As cortinas se fecharam para a montagem de palco do Daft Punk. Nessa hora houve um enorme afluxo de gente para perto da grade. Eu e Reca fomos para trás e depois um tanto para a esquerda, de onde assistimos ao melhor show da noite. A cortina se abriu e revelou uma enorme pirâmide, de onde a dupla começou a disparar suas mixagens alucinantes, que às vezes misturavam três músicas numa só. Desnecessário dizer que os efeitos de luz da pirâmide e do telão de led atrás eram praticamente um segundo show, que complementava com perfeição o repertório dos franceses.

Mesmo privilegiando músicas do álbum mais recente, "Human After All" (que muita gente odeia, mas eu não), ainda sobrou espaço para alguns clássicos, como "Da Funk", "Around The World" e "One More Time", todas devidamente alteradas pelas mixagens. Vestidos de robôs-extraterestres — aliás, como é que eles não morrem de calor embaixo daquelas máscaras? —, a dupla foi bem simpática — tanto quanto é possível quando se está dentro de uma pirâmide estroboscópica — e até mandou beijinhos para a platéia no final. Sem dúvida, uma das maiores experiências audiovisuais que eu já tive. Se eu não estivesse tão exausto, teria aproveitado ainda mais.



Uma pequena amostra da pirâmide em ação

:: Epílogo ::

Apesar dos ótimos shows, este foi o TIM Festival mais desconfortável de todos os tempos. Em boa parte por culpa do Tom Brasil, cujo ar-condicionado obviamente não dava vazão para aquela quantidade de pessoas. Desconfio até que nem estivesse ligado. No Rio, ou mesmo no ano em que o evento principal foi em São Paulo, nunca suei tanto. Achei engraçado também as pouquíssimas referências ao festival em si. Não havia logotipo no fundo do palco, e a vinheta que aparecia antes de cada apresentação não tocava nem o tradicional jingle. Era como se eles não quisessem se comprometer. Uma coisa meio "Isso faz parte do TIM Festival, mas não repara". Estranho.

Terminamos a noite numa padaria. Enquanto eu comia meu pão de pizza, finalmente me lembrei:

— Merda, esqueci a caneta!

No ano que vem, verei no Rio.

besuntado por Vitor Dornelles 15:09

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