São coisas como esta que fazem da experiência de ir ao Festival do Rio algo radicalmente diferente (e mais interessante) do que uma ida casual ao cinema. Você assiste a um documentário sobre chinlone — bizarro e fascinante esporte praticado apenas em Mianmar (ou Birmânia, para os saudosistas) —, que consiste em cerca de uma hora e meia de cenas impressionantes do jogo intercaladas pelos depoimentos apaixonados de um canadense que, por razões só explicáveis pela existência do destino, virou uma espécie de embaixador do esporte, a ponto de fazer um filme sobre o tema no qual é também personagem principal e narrador, para, no final da sessão, descobrir que o diretor em pessoa está do lado de fora da sala conversando com os passantes mais curiosos.
Mr. Greg parecia tão simpático quanto no filme. Ao ver que segurava numa das mãos uma das peculiares bolas de chinlone — que no vídeo acima (assistam, assistam!) parecem mini-bolas de futebol, mas na verdade são vazadas e feitas de bambu, como talvez dê para perceber na foto que abre o post —, a Reca não resistiu e foi trocar uns dedos de prosa com ele. Era tudo uma desculpa para segurar a bolinha, claro, mas ela ainda aproveitou para fazer uma pergunta sobre algo que deve ter intrigado a todos durante a sessão: por que diabos Mr. Greg não se mudou para Mianmar, se o chinlone havia se tornado a razão de sua existência e ele parecia tão infeliz no Canadá? Ele foi muito sincero e respondeu que a situação política do país impedia que morasse lá, mas que pretendia se mudar para a Tailândia, para não ter mais que cruzar oceanos se quisesse jogar chinlone com seus amigos birmaneses.
Acometido por um dos meus ataques de timidez, assisti à breve conversa de uma distância de cerca de 2 metros, enquanto segurava a bolsa da Reca, e nem pude sentir a consistência e o peso da bola de bambu, que depois me foi descrita como muito leve e maleável — o que só aumentou minha admiração pela habilidade dos birmaneses.
Mystic Ball não foi o melhor filme que eu vi até agora no Festival — acho que o prêmio fica com Pequena Miss Sunshine, seguido de perto por The Host — mas sem dúvida foi um dos mais instigantes. O que mais me impressionou foi a incrível obsessão de Mr. Greg por um esporte completamente desconhecido pelo mundo ocidental — o qual ele praticou por 14 anos antes de fazer a viagem a Mianmar que mudou sua vida por completo e onde conheceu a essência do esporte.
E no que consiste esta essência? Bem, o chinlone é um esporte não competitivo, uma coisa meio frescobol, mas sem a obrigação de manter a bola no ar o maior tempo possível. Os birmaneses não jogam chinlone para bater recordes pessoais, mas pelo barato da coisa. A julgar pelos depoimentos do filme, não duvido que o negócio dê onda mesmo.
No fim das contas, mantém-se uma tendência. Todo ano eu acrescento um esporte à lista dos que eu praticaria se não fosse um preguiçoso sedentário. Em 2004, por conta das olimpíadas, foi a vez do pentatlo moderno; ano passado, graças a O Gosto do Chá, me interessei por Go (ok, não é bem um esporte, até porque eu posso praticá-lo sem me levantar da cadeira); já em 2006 não teve pra ninguém: este é, oficialmente, o ano do chinlone.
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Ainda na linha dos documentários esportivos, recomendo o divertidíssimo Once In A Lifetime: The Extraordinary Story of the New York Cosmos, exibido no Festival sob a alcunha de O mundo a seus pés. Como dá para perceber pelo título, conta a história da ascensão e queda do time americano em que o Pelé jogou nos anos 70, com direito a edição ágil, ótima trilha sonora e muita lavagem de roupa suja.