outubro 12, 2005

 
CHARLES BRONSON É MEU PASTOR





Recebi uma carta da Associação Brasileira de Blogs (ABB). Era uma ameaça. Dizia que se eu não fizesse um post sobre o referendo até a véspera do dito-cujo, "sérias providências" seriam tomadas. Apesar de desconhecer a entidade até aquele momento, preferi não arriscar. Portanto, agüentem mais um pitaco irrelevante e que ninguém pediu sobre a proibição do comércio de armas de fogo (por favor, parem de chamar de desarmamento - são duas coisas diferentes). Desculpaí qualquer coisa e reparem em como os parágrafos não têm relação entre si.

Algum tempo atrás, declarei que era contra o desarmamento da população civil. Mantenho minha opinião e estendo-a à proibição do comércio de armas de fogo. Quando digo isso, as pessoas costumam me olhar como se eu fosse o Charlton Heston. Aparentemente, ser contra a proibição me torna automaticamente um entusiasta de espingardas e revólveres. Não adianta explicar que eu nunca peguei numa arma na vida, e nem pretendo, e muito menos que sou a favor de um controle rigoroso na venda de trabucos. Não. Ser contra a proibição do comércio de armas é o equivalente a ser a favor da guerra e da morte de criancinhas. A sutileza, obviamente, mandou lembranças.

Impressiona como os dois lados da disputa carecem de argumentos e de tons de cinza. Para os defensores do SIM, os contrários à proibição são a encarnação do mal, enquanto eles próprios são os fodões que defendem a paz (e existe alguém que não defenda?). Já os partidários do NÃO enxergam a galera "sou da paz" como um bando de covardes mariquinhas que tem medo de meter bala, e vêem a si mesmos como os fodões justiceiros que vão dar cabo da bandidagem. Desse jeito fica até difícil escolher um lado. Só não voto nulo porque a terceira via é liderada pelo Caetano Veloso.

O problema é que estamos nos desviando do foco do referendo. Primeiro de tudo: por que a proibição foi proposta? Parece-me óbvio que foi por causa da violência crescente nas áreas urbanas. A pergunta seguinte, pela lógica, deveria ser: a proibição vai resolver esse problema? Parece-me igualmente óbvio que, não, nem fodendo. Ou alguém pode me dar exemplos de países que reduziram drasticamente a violência somente com a proibição da venda de armas? Não, né? Violência existe desde muito antes da invenção das armas de fogo, é gerada por uma série complexa de fatores e prescinde de pólvora para continuar existindo. Portanto, sob este aspecto, a discussão sobre proibir o comércio é irrelevante. Então por que ainda estamos discutindo?

Outro dia conversava com um amigo dos tempos de colégio, pessoa inteligente e bem informada, e nosso papo acabou chegando na proibição. Ele concordava comigo a respeito da impossibilidade de se reduzir a violência com uma canetada, mas dizia que votaria SIM porque tinha que levar em consideração as crianças que morrem por acidente, e as discussões de marido e mulher que acabam em tragédia. Esse argumento das criancinhas balança muita gente. Mas quantas crianças morrem, efetivamente, vítimas de acidente com arma de fogo, anualmente no Brasil? Não sei o número correto, mas é muito pequeno, ainda mais quando comparado às outras ocorrências. Não seria mais fácil simplesmente educar os portadores de arma? Afinal, vocação de criança é fazer merda. Se você deixar um frasco de detergente dando sopa, quer apostar quanto que a criança vai entornar goela abaixo? O mesmo vale para as armas. É só não deixar a sua dando mole. É tão difícil assim? Precisa mesmo proibir por causa disso?

Rebater o argumento da briga de marido e mulher foi mais fácil ainda. Desde quando marido ciumento precisa de arma para matar? No calor do momento ele não pode simplesmente empurrar a esposa pela janela? E se aumentam os casos de esposas defenestradas? O que fazemos? Proibimos as janelas? E quando não houver mais janelas? As mãos também são armas letais, não podemos nos esquecer. O que fazer? Cortar as mãos dos maridos ciumentos? Por via das dúvidas, vamos logo cortar as mãos de todo mundo. É também uma maneira de não precisarmos votar nesse referendo estúpido.

Como sempre, é mais fácil culpar as ferramentas. Daqui a pouco vão dizer que o tráfico de drogas só existe por causa das armas de fogo. E do RPG. E dos consumidores de drogas. Principalmente, ah, principalmente por causa dos RPGistas cocainômanos que andam armados! Malditos sejam todos eles!

Mas onde eu estava mesmo? Ah, sim, o referendo. Pois então. A minha birra toda é simplesmente com a proibição. Por que revogar um direito que nem é, assim, um direito pleno, já que não é qualquer mané que pode comprar uma arma de fogo pelas vias legais? A História está coalhada de exemplos de proibições que deram errado. Se há demanda, proibir só piora as coisas. Não sou eu quem está dizendo. É a História. Vai discutir com a História? Agora, me mostrem os exemplos de proibição de comércio que deram certo e não geraram contrabando nem mercado negro. Hum... Difícil, hein?

O que eu percebo nos partidários do SIM é uma crença quase religiosa na proibição da venda de armas como passo fundamental para a PAZ (assim mesmo, em maiúsculas). Não há absolutamente nada garantindo que a proibição vá reduzir a violência, ou que sequer vá contribuir para a PAZ. Mas o partidários do SIM não precisam de evidências. Eles têm fé.

Os partidários do NÃO também não ficam atrás. Eu me envergonho de ter que dividir o meu voto com o MV Brasil, por exemplo (o movimento do "Resistir é preciso!", uma das maiores babaquices da história nacional), que espalha por aí cartazes com os dizeres "Entregue sua arma e torne-se um escravo". Ora, façam-me o favor. Infelizmente, o lado do NÃO está cheio de facistóides e malucos com síndrome de Charles Bronson. Quero deixar registrado que não compartilho da opinião desse tipo de pessoa. Eu voto NÃO por um motivo bem simples: liberdade. Não há nada que eu preze mais do que a liberdade. Se o cidadão tem condições de ter uma arma, se é responsável pelos seus atos, pessoa capaz e equilibrada, não compreendo por que diabos ele não PODE ter uma arma. Porque o Estado disse? Isso não faz sentido. Senão, deixe-me ver: deste lado temos o cidadão-modelo-hipotético, que gostaria de ter uma arma, sabe-se lá por que motivo, e não representa perigo à sociedade e nem a si mesmo, mas não pode ter uma arma porque o Estado disse que não, porque não e pronto. Já do outro lado temos policiais e seguranças terceirizados, todos com porte de arma legalizado pelo mesmo Estado, que fez jóinha e disse amém, uma vez que, como todo mundo sabe, policial e segurança é tudo boa gente, que não faz essas coisas feias de vender arma pra bandido. Ó, mas que maravilha, não? Agora vivemos numa sociedade sem violência! Só falta trancarmos todas as crianças em cofres, para elas não correrem risco de beber detergente ou de levar choque na tomada, e começarmos a pensar no próximo referendo: pela proibição do comércio de carros! Afinal, como todo mundo sabe, além de poluir a atmosfera, carros são verdadeiras armas.

Já a cobertura da imprensa sobre o referendo tem sido vergonhosa. O debate simplesmente não existe. Cada veículo escolheu um lado (o SIM é o preferido) e dele não arreda pé. A Veja, apesar de ser uma revista escrota e nem um pouco santa, pelo menos teve culhão o suficiente para defender o NÃO (mais do que isso: apontar o referendo como o engodo que ele é). Em compensação, ler O Globo na últimas semanas vale por uma aula de edição tendenciosa (o que é praticamente uma redundância). Não apenas todos os colunistas são favoráveis ao SIM (Ancelmo Góis vive chamando o outro lado de "Partido da Bala"), como em praticamente toda primeira página há referência a armas. Geralmente no papel de vilãs com vontade própria. O pior caso foi a manipulação de uma pesquisa mostrando a origem das armas dos bandidos. Segundo a matéria dO Globo, mais de 70% eram de origem legal. Só que eles incluíam nessa contagem os mais de 30% de armas com origem desconhecida. Que, até que se prove o contrário, não são de origem legal. E, mesmo que sejam, faz mesmo alguma diferença? Se não for com revólver, vai ser com florete, amiguinhos. Ou com catapultas. Ia ser legal ressuscitarem as catapultas.

O principal equívoco dos que são a favor da proibição é misturar dois conceitos distintos. O primeiro: "armas são feias e não deveriam existir". Até aí, eu concordo. Ainda que as armas tenham exercido papel evolutivo fundamental, sem o qual dificilmente teríamos saído das cavernas para ir falar abobrinha na internet, acredito que uma sociedade evoluída dispensará o uso de armas. Talvez exista uma ou outra arma não-mortífera, se ainda houver necessidade de instrumentos de controle. Vai depender do nível de evolução e tem que acontecer naturalmente, não pode ser imposto. Mas põe aí uns 10 mil anos - sendo otimista - para chegarmos nesse estágio.

O segundo conceito: "armas são feias e votar SIM no referendo é o primeiro passo para acabar com TODAS ELAS!" Ok, é aí que a porca torce o rabo. Como assim, meu filho? Você realmente acredita nisso? E em Papai Noel? Também? Ok, então um referendo é o primeiro passo para viver numa sociedade mais segura e com menos armas. Ah, tá. Um referendo. NO BRASIL. I rest my case.

Eu juro que gostaria de compartilhar da euforia da galera do SIM, de sacudir bandeirinhas brancas, fazer o símbolo da pomba da paz e ficar gritando Basta! por aí, para depois ir dormir pensando em como eu tornei o mundo melhor. Mas não dá, cara. Talvez eu seja muito cético. Eu não votei no Lula. Nem no Serra.

****

Claro que toda essa explanação sobre por que eu vou votar NÃO foi só para eu parecer cool e racionalzinho. Na verdade, o meu motivo é outro. Pouco comentado, porque ninguém tem coragem de falar sobre, mas nada, nadinha mesmo desprezível. O fato, meu camaradinha, é que depois da Grande Epidemia quem não tiver uma arma vai estar lascado. Se eu fosse você, começava a praticar ONTEM.

besuntado por Vitor Dornelles 02:13

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