TODO NOME É UM ASSASSINATOTodas as coisas têm um nome. Ninguém pensa em chamar cadeira de relógio ou travesseiro de guarda-chuva (ainda que um travesseiro possa servir como guarda-chuva numa emergência). A regra funciona tanto para coisas palpáveis quanto para abstrações. Ao comentar com seu melhor amigo sobre a paixonite que te pegou desprevinido após conhecer uma garota na noite passada, você não diz
Acho que estou apavorado!, com coraçõezinhos piscando nas pupilas (ainda que, para alguns membros da raça humana, paixão e pavor andem sempre de mãos dadas). O mesmo se aplica a instituições, empresas e estabelecimentos comerciais. Ninguém pensa em chamar a Coca-Cola de Brastemp (
Me vê uma Brastemp geladinha!). Nem em chamar a UFRJ de Estácio de Sá (já o contrário agradaria alguns). Se você combina com amigos de ir à Casa da Matriz, ninguém espera encontrá-lo na Bunker (a não ser que você tenha amigos muito chatos e isso seja uma forma de despistá-los). Enfim, todas as coisas, incluindo você, têm um nome.
Menos para o meu pai, é claro.
No ano 2000, eu costumava freqüentar uma boate chamada First. Ficava em Botafogo, no lugar onde hoje em dia funciona uma pizzaria. Como na época eu ainda não era motorizado, meu pai costumava me dar carona até lá toda sexta-feira. Houve uma época, no entanto, que fiquei umas semanas sem ir à First. Um dia, meu pai me perguntou, curioso:
— E a Primeira Instância, hein?
— Como?
— Aquela boate, a Primeira Instância.
— Que Primeira Instância?
— Aquela que fica em Botafogo e você sempre vai.
— Você tá falando da First?
— Isso, Primeira Instância!
Muito tempo atrás, antes da First (ou da Primeira Instância) existir, meu pai estava lanchando na mesa da cozinha e eu, por acaso, passava por ali.
— Vitor, me passa o tubete?
— O biscoito em forma de canudinho que a gente põe no sorvete?
— Não, não, o tubete!
— Hein?
— Aí do seu lado.
— Você tá falando da mortadela?
— Isso, o tubete!
Para o meu pai, nomes são irrelevantes.