FACTOS INTACTOS
Difícil escrever aqui. Não que eu esteja sem tempo, pelo contrário. Tenho tanto tempo livre quanto um bananal tem bananas. O problema é que não acontece nada de interessante. Ou alguém quer ler sobre os principais atalhos da Paginadora? Ou sobre como a configuração de cores chegou tarde hoje? Vai ver que existe um séquito ansioso de leitores que adoraria conhecer os mistérios de se enviar uma troca de página em preto e branco, principalmente quando ela é capa do caderno e... É, também acho que não.
A falta de acontecimentos dignos de nota acabou resultando nos dois últimos textos, em que apelei para reminescências da infância. Poderia seguir nessa linha até o meu retorno para o Rio, mas também está difícil extrair alguma coisa que preste da minha combalida memória - saudades do tempo em que ela era assustadoramente precisa. Por isso, vou sentar neste banquinho no centro da roda e responder às perguntas dos leitores aflitos.
— Afinal, o que diabos você faz aí na Folha?
Boa pergunta, leitor imaginário da direita. Sou diagramador, o que significa que eu organizo visualmente algumas páginas do jornal. Quer dizer, isso na teoria. Na prática eu sou um simples montador. Os editores desenham as páginas e meu trabalho é basicamente reproduzi-las. Cada página leva no máximo cinco minutos para ficar pronta. De resto, o trabalho se resume a botar as fotos no lugar, mudar eventualmente o desenho da página quando isto for solicitado pelo editor e esperar. E esperar. E esperar. E esperar. E esperar mais um pouquinho e ficar atento na hora de mandar as páginas para a gráfica. É basicamente um trabalho mecânico, que exige rapidez e atenção, e quanto mais automáticas forem suas ações, melhor.
Contudo, não foi isso que eu vim fazer aqui. Digo, até foi, mas numa escala um pouco piorada. A Folha tem esta revista, a Sinapse. Até o presente momento ela é diagramada em Macintosh, utilizando um programa chamado Quark. É um programa bastante comum, que você pode comprar em versão pirata e instalar na sua casa. Acontece que o resto do jornal usa um programa específico, apelidado de Paginadora, muito mais rápido do que o Quark, apesar de ter alguns defeitos. Minha missão aqui é fazer com que a Sinapse possa ser diagramada na Paginadora. Para isso, preciso criar modelos pré-prontos (os chamados figurinos) de cada uma das partes da revista (legendas, créditos, títulos, boxes, blocos de texto, vinhetas e lero-lero-lero) e inseri-los na Paginadora. Parece fácil, mas, só para vocês terem uma idéia, desde que cheguei aqui, na quinta-feira retrasada, não pude sequer começar a mexer nisso. Tudo culpa da burocracia e da descoordenação geral. No momento estou esperando que instalem as fontes da revista no sistema, o que deve levar uns cinco dias. Uma vez instaladas, começarei a criar os formatos. O galho é que fazer isso na Paginadora envolve uns comandinhos bem pentelhos, que até lembram html, mas na verdade não tem nada a ver. Só de pensar me dá sono.
Então. Este será meu trabalho quando eu conseguir começá-lo. Até lá, continuarei por aqui na Folha Mundo, diagramando minhas quatro paginazinhas de sempre e escrevendo no blog quando o ócio for muito flagrante. Acreditem, essa parte nem é ruim.
— Chato isso, hein? Mas então, eu queria que você desenvolvesse melhor aquela história do fim da era do combustível fóssil, e sobre como o hidrogênio...
Ok, ok. Perguntas encerradas. Tenham um bom dia e comam todo o espinafre.