julho 24, 2003

 
YARZÖD



Às vezes eu me lembro de que a ECO é um lugar legal. Afinal, onde mais eu poderia apresentar o projeto gráfico de uma revista EXTRATERRESTRE como trabalho final de curso e mesmo assim ser aprovado?
Tudo começou em 1999, quando o canto dos passarinhos de uma tranqüila manhã primaveril na Praia Vermelha foi silenciado por uma perseguição alucinada a um cachorro de três pernas. Os perseguidores em questão eram eu e meu amigo Mario, hoje em dia um respeitado jornalista da EXAME que provavelmente tenta esquecer esse passado de molestador de vira-latas indefesos. Longe de apresentar qualquer interesse sexual pelo bichinho, o que eu Mario buscávamos era uma foto original para o nosso trabalho de Fotojornalismo. Nosso tema era sui generis: um relatório fotográfico da viagem de extraterrestres à Terra. Queríamos capturar imagens banais - como a chegada de um carregamento de batatas a um supermercado - e interpretá-las com um olhar extraterrestre, dando um novo e inesperado sentido às coisas comuns. Dias após à perseguição do pobre cachorro, eu e Mario, acompanhados pelo também amigo Ricardo Westin, iniciamos um périplo de 50 quilômetros pela orla e pelo Centro do Rio de Janeiro. Montados em bicicletas - uma delas sem freio, o que me rendeu um tombo cinematográfico às seis e meia da manhã -, registramos no intervalo de 9 horas cerca de 70 fotos. Não sei como não morremos - eu, pelo menos, tinha passado em claro a noite anterior à pedalagem - mas o fato é que com uns poucos dias de atraso (não vou mencionar aqui que o Mario perdeu todas as fotos dele e do Ricardo, o que nos obrigou a fazer mais cinco saídas, em duas das quais eu velei parte do filme do Ricardo) entregamos o relatório intitulado Yarzöd kpa Drhöönk Uxeyönntpar ao nosso professor. E tiramos DEZ! Considerando que parte do trabalho foi escrito numa língua inventada por nós, o tlöniano, a nota foi um feito e tanto.
Anos mais tarde eu me via num beco sem saída. Já havia atrasado minha formatura em um ano e não aguentava mais o fato de perder tempo numa faculdade da qual já tinha extraído tudo. O que me impedia de seguir em frente era justamente o tema da minha monografia. Quem me conhece sabe que o meu lance sempre foi projeto gráfico, tanto que eu não me considero um jornalista, mas um designer frustrado. O problema é que eu não queria fazer mais uma daquelas revistas de entretenimento ou esportes que todos os anos são apresentadas na ECO. Foi matutando sobre isso que eu me lembrei da historinha narrada acima. Mas é claro! Tudo o que eu tinha que fazer era uma REVISTA EXTRATERRESTRE!

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Hum, ok, mas como assim?
Conversando com meu orientador, encontramos uma justificativa picareta para o trabalho, bem no estilo do que a academia gosta. Meu impresso seria na verdade um estudo sobre a incomunicabilidade que faria contrapontos com a Teoria da Informação e o estudo dos Signos, além de utilizar referências estéticas dos movimentos de vanguarda do início do século XX, como o Futurismo e o Dadaísmo. Falando assim até parece coisa séria.
Enfim, depois de muita ralação eu consegui terminar a revista, que ficou até bacanosa. Meu relatório de produção/justificativa teórica é que não estava assim, uma Brastemp, mas dava para enrolar. Foi então que, ontem, precisamente às 11 horas, eu defendi o meu peixe.
As testemunhas presentes acham que eu levei ao pé da letra a dica do meu orientador de defender a idéia com unhas e dentes. Na hora pensei que estava sendo absolutamente calmo e ponderado, mas todos os presentes se disseram preocupados, achando que eu fosse voar no pescoço de algum membro da banca. A banca, por sinal, obedeceu à dinâmica clássica das defesas ecoínas: um "tira bom", um "tira mau" e uma historinha aleatória contada pelo "tira bom". O meu "tira mau" começou fazendo perguntas absolutamente irrelevantes, como se eu achava que o Futurismo e o Dadaísmo ainda tinham relevância política (?) e por que eu botei a foto de um mictório nos anexos (??). O "tira bom" - que eu esperava que fosse ser "mau" também - viajou na batata, mas pelo menos gostou do meu trabalho. Disse que a revista era uma "fenda no guarda-chuva", o que na língua dele deve ser um elogio, e aproveitou para contar a história completa do filme com o Al Pacino que ele havia assistido de manhã e como a cena final lembrava o objetivo do meu trabalho (???). Finalizando de maneira chocha, o "tira mau" fez uma citação ao Godard e depoi uma cara muito séria. Teria sido muito mais legal se eu tivesse subido na mesa e começado a soltar raios cósmicos em nome da honra de Tlön, mas nem rolou. O fato é que após uma curta deliberação os membros da banca concluíram que eu merecia NOVE. Fiquei feliz. O cachorro de três pernas teria orgulho de mim.


besuntado por Vitor Dornelles 23:56

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