DE COMO EU CHEGUEI ATÉ AQUIMinha existência esteve diversas vezes em perigo. Vão dizer que com todo mundo foi assim, mas suspeito que o meu caso seja pior do que o da maioria. Deixem-me explicar melhor:
Vamos retroceder no tempo para o final do século XIX. Estamos na Holanda, numa cidade qualquer. Nesta cidade há um dique. E também há meu bisavô paterno, Johannes Hovingh, na época um pirralho holandês hiper-ativo. Bisavô Johannes gostava muito de brincar perto do dique. Não haveria nenhum problema nisso, exceto pelo fato de que o fedelho não sabia nadar. Acompanhem no esquema:
É óbvio que isso ia dar merda. Johannes caiu no mar e só não se afogou porque algum conterrâneo resolveu resgatá-lo.
Meu bisavô deve ter levado uma tremenda bronca dos pais. É bem possível que trisavô Klaas e trisavó Elizabeth O. tenham-no proibido de chegar perto do dique. Mas é claro que isso não adiantou. Passado algum tempo, lá estava o pequeno Johannes saracoteando pelo dique. E, de novo, lá estava o pequeno Johaness se afogando no mar.
Sortudo pra cacete, meu bisavô foi novamente resgatado. Imagino que tenha ficado uns dois meses sem sobremesa e levado umas boas tamancadas. Porém, o apelo do dique era irresistível ao pequeno Hovingh...
TCHIBUM!
E, pela terceira vez, salvaram o garoto. Depois dessa, meus trisavós devem ter chegado à conclusão de que a única maneira de manter vivo seu filho manézão era se mudando dali. Vieram para o Brasil.
Johannes nunca mais se se afogou, até porque não havia diques no Rio Grande do Sul. Tornou-se enfermeiro, constituiu família e virou um gaúcho normal:
Quer dizer, quase. Mas isso já é outra história.
O lado Hovingh da família estava garantido por enquanto. Porém, vindo diretamente da Paraíba, surgiu meu avô materno, Auderico Ferreira, para quase botar tudo a perder. Meu avô é um sujeito legal até. Quando eu era pequeno ele me dava presentes bacanas, como um skate e um kit de química. Ele também me lia poesia e me levava para andar de metrô. Um bom avô. O problema todo é que ele é LOUCO. Insano, zureta, pinel. Falta algum parafuso ali. Ou vocês conhecem alguém normal que já tenha se oferecido para ir à guerra?
Este é o meu avô. Em plena Segunda Guerra Mundial, ele foi voluntário para lutar pelo Brasil. Tudo bem, alguém pode dizer que ele estava sendo patriota e patati-patatá. Mas isso não justifica coisas como enfrentar desguarnecido um bando de soldados alemães:
Meu avô levou um tiro na nuca, para deixar de ser trouxa. Por sorte, de raspão. Mesmo sendo doido, vô Auderico é um sujeito malandro. Se fingiu de morto e esperou a batalha acabar para retornar ao acampamento, não sem antes roubar uma metralhadora inimiga. Diz a lenda que meu avô chegou ao acampamento exatamente quando estavam anunciando sua morte no campo de batalha, e que seus colegas fugiram apavorados quando o viram, pensando que era um fantasma.
Vovô inventa muitas histórias também. Mas que ele tem a metralhadora alemã até hoje, ah, isso tem!
Avançamos um pouco no tempo e encontramos meu pai com cinco anos de idade, morando em alguma cidade-velho-oeste do interior do Rio Grande do Sul. Naquele tempo, meu pai possuía uma brincadeira favorita, que envolvia tábuas de madeira formando pilhas de vários metros de altura. O guri subia numa dessas pilhas e procurava alguma tábua que pudesse servir de trampolim para que ele alcançasse outra pilha mais distante. Fez isso várias vezes, e o máximo que conseguiu foi arranhar os joelhos. Puta sorte do caralho.
Alguns anos mais tarde, minha mãe era adolescente e morava no Rio de Janeiro. Toda semana ela ia ao dentista e pegava determinado ônibus que a deixava na porta do consultório. O trajeto passava embaixo do viaduto da Paulo de Frontin, ainda em construção na época. Num dia de consulta, no exato horário em que o ônibus passava por debaixo do viaduto, a construção desmoronou. Foi uma tragédia. Nesse dia, porém, minha mãe chegou atrasada no ponto. Perdeu o ônibus e deu mais um passo em direção à minha existência.
Minha mãe conheceu depois o guri saltador de pilhas de madeira. Ele já era homem feito e abandonara aquele hábito nocivo. Agora seus momentos mais radicais se resumiam a comer despacho no meio da rua e morar no Copacabana 200. Casaram-se e, dois anos depois, quando eu caminhava pelas ruas de Repolhópolis, fui sugado por uma fenda temporal. Naquele momento, percebi que eu não era mais eu. Sentia-me diferente. Meio molhado. Meio comprido. Meio com... cauda. Eu era um espermatozóide fecundando um óvulo.
Por alguns meses tudo correu bem, até que começaram a surgir uns negócios esquisitos na placenta. Depois me contaram que aquelas coisas eram micro tumores, e que por causa deles eu não conseguia me alimentar direito.
Durante um mês não cresci um centímetro sequer. Foi então que resolveram me retirar a força do útero e, TCHANAN, pelo menos por enquanto minha existência estava garantida.
Oito anos depois eu andava de bicicleta distraído pelo Aterro do Flamengo.
Só vi a linha da pipa quando ela já cortava meu rosto. Por sorte não pegou meu pescoço nem meus olhos. Chorei muito. Durante a cicatrização fiquei parecendo o Pinhead:
Incapaz de conviver com a minha aparência medonha, decidi que queria ser colocado numa câmara criogênica. E assim foi feito:
Quinze anos depois me despertaram. Minha aparência havia melhorado, mas eu senti que isso não bastava para a minha felicidade. Queria produzir algo. Tinha que fazer alguma coisa ousada e inovadora. Perguntando por aí, me disseram que o quente era ter um blog. Assim, criei o Repolhópolis, baseado em minhas recordações pré-uterinas.
Estava pensando em que texto genial escreveria. No que, afinal, iria revolucionar a maneira de se ler blogs. Foi quando eu tive uma idéia de post genial.
Mas eu estava morrendo de sono e resolvi deixar para o dia seguinte. Fui dormir.
Quando acordei, o horror! A idéia se fora. Escafedera-se. Nunca havia existido. Meu plano de revolução blóguica tinha se perdido no espaço.
Decidi então escrever qualquer coisa e ir dançar um tango argentino.
Olé!